remorso do sobrevivente
" Tenho de continuar a aturar o adolescente em mim. Tenho de continuar a aturar todos os que estão em mim, porque nunca tive coragem de crescer abandonando quem fui. De sufocar com as minhas mãos os que devia deixar prara trás, moribundos. Fui acumulando quem sou. Por isso estes gritos desesperados em linguagem adolescente. E até coisas mais infantis.
Fui-me conservando a mim próprio pelo respeito de nunca saber quem era, o que seria, de ignorar o que se estava a passar, o que por mim passava, aquilo a que chamamos tao inconscientemente vida.
Fiquei suspenso nesse espanto, tal e qual como agora, olhando-me, sem conseguir dizer a palavra decisiva que me fizesse subir por uma escada que me levasse mais alto e me fizesse definitivamente ser outro. Sou quem fui, quem serei, o mesmo adulto enquanto criança, a mesma criança enquanto adulto e a aparência fisica é só o disfarce que tem de ser.
Por vezes encontramo-nos todos numa roda e o mais velho tem certamente mais experiência mas é nitidamente menos inteligente e sofre de falhas de memória. De certo modo, que não sei justificar, tenho ainda ficado mais criança e isso doi-me. O desconcerto do mundo faz-me chorar lágrimas porque sei não o ter vindo a perceber melhor, antes o desentenda mais.
Vivo a vida por empréstimos mais curtos, de minutos, e sinto o dever de agradecer constantemente o vive-la. Ninguém sabe. Ninguém acredita. Como o funâmbulo que percorre o arame estendido olhando em frente, não posso olhar o vazio. E o vazio envolve-me. Aliás, nós todos nos encontramos numa igual ignorância que não é disto nem daquilo mas do que está por detrás desta noite e aquém do que quer que seja. E eu sou a tal criança teimosa com perguntas impossiveis. (...) "
Pedro Paixão- Quase gosto da vida que tenho
Fui-me conservando a mim próprio pelo respeito de nunca saber quem era, o que seria, de ignorar o que se estava a passar, o que por mim passava, aquilo a que chamamos tao inconscientemente vida.
Fiquei suspenso nesse espanto, tal e qual como agora, olhando-me, sem conseguir dizer a palavra decisiva que me fizesse subir por uma escada que me levasse mais alto e me fizesse definitivamente ser outro. Sou quem fui, quem serei, o mesmo adulto enquanto criança, a mesma criança enquanto adulto e a aparência fisica é só o disfarce que tem de ser.
Por vezes encontramo-nos todos numa roda e o mais velho tem certamente mais experiência mas é nitidamente menos inteligente e sofre de falhas de memória. De certo modo, que não sei justificar, tenho ainda ficado mais criança e isso doi-me. O desconcerto do mundo faz-me chorar lágrimas porque sei não o ter vindo a perceber melhor, antes o desentenda mais.
Vivo a vida por empréstimos mais curtos, de minutos, e sinto o dever de agradecer constantemente o vive-la. Ninguém sabe. Ninguém acredita. Como o funâmbulo que percorre o arame estendido olhando em frente, não posso olhar o vazio. E o vazio envolve-me. Aliás, nós todos nos encontramos numa igual ignorância que não é disto nem daquilo mas do que está por detrás desta noite e aquém do que quer que seja. E eu sou a tal criança teimosa com perguntas impossiveis. (...) "
Pedro Paixão- Quase gosto da vida que tenho
2 Comments:
adoro este texto....acho que o releio varias vezes para nao sentir que sou a unica a pensar assim...criança/adulto...o querer ser os dois...e saber qd se-lo...ser adultamente criança, mesmo que imcompreendida...a continuaria por aqui...obrigada pelo comment
Gosto particularmente desta frase, "Vivo a vida por empréstimos mais curtos, de minutos, e sinto o dever de agradecer constantemente o vive-la."...
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