quinta-feira, setembro 22, 2005

um sonho


Ouvem-se sussurros e correrias nos corredores. Ele já está vestido. Sentado. Aguardando a sua vez de entrar. À sua frente, um espelho enorme mostra outra cara. Não sente os nervos, mas também não está calmo. Não tem superstições, apenas hábitos. Morde o lábio. Entrelaça os dedos e fita-se.
- Eu não sou eu. Sou ele. E ele sou eu!
Chamam por ele. É a sua vez... O seu momento... A sua cena.
Pouco depois regressa ao camarim.
Triste!
O pano caiu. O artista deixou parte de si. Como se de uma mutação se tratasse, como se não fosse humano. Dá de si o que tem e não tem... mas entrega. Retira de si o seu brilho para ver sorrir os outros. Mas os seus sonhos… esses, são tapados com mascaras e pinturas …são ofuscados pelas luzes do palco e por aquele degradante espelho.
Volta a morder o lábio, a entrelaçar os dedos e a fitar-se.
- Existem dias em que o palhaço sorri mas também é triste; onde o trapezista se equilibra mas quer cair; o músico toca e desafina; o bailarino dança sem se mover; o actor grita… calado.
É tarde para não continuar. Troca de roupa e volta a convencer-se:
-Eu não sou eu. Sou ele. E ele sou eu!
Depois apruma-se, prepara uma nova entrada.
O pano sobe… é hora... de viver um sonho.

2 Comments:

Blogger camilo said...

Este texto era ideal para um daqueles comentários a analisar a metáfora que se percebe...
Mas hoje apetece-me comentar o texto pelo texto... sem lhe encontrar 2ºs sentidos...
Todas as profissões têm os seus "tiques", os seu "rituais", como o olhar ao espelho e a mentalização que se deve perder o "EU" antes de se ser "OUTRO", para os actores. Isso está muito bem retratado.
E a entrada em palco, e a tristeza depois, por se ter deixado um pouco de vida lá.
E de novo, o recomeçar, porque assim tem que ser...

... não resisto...

às vezes temos que ser actores e mentalizarmo-nos que não podemos ser nós mesmos... e apesar da culpa que às vezes se sente, devemos continuar... Como diz um texto de um escritor que muito admiro (EU), "Não há lugar no mundo para pessoas como ele", e de facto isso acontece com muitos "eles", que vivem um "sonho" (não necessáriamente bom), quando em casa se disfarçam antes de sairem para a rua, com um SER que não é o deles...

... ok, e isto foi a minha interpretação da metáfora...

beijos*

5:43 da tarde  
Blogger Maria said...

Quantas vezes na vida não vestimos personagens que têm de interpretar determinado papel? Quantas vezes queremos ser nós e quebrar as convenções, mas não nos é permitido?

Talvez não seja este o sentido do teu texto, mas foi assim que o interpretei... Quem me dera, às vezes, dar um pontapé na mesa, deixar as convenções de lado e dizer tudo o que me vai na alma!!! Mas não posso...

Ups, lá estou eu a divagar...

Beijinhos

10:22 da tarde  

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