sexta-feira, dezembro 15, 2006

Olhava para ela enquanto dormia.
Na sua infantil percepção, era ali que se sentia calmo. Então, mesmo que lá fora o tempo convidasse a um chuto na bola, por hoje, ficava.
Era um calor bom aquele que sentia por dentro, como quando se sentava num banco ao sol no parque e comia um gelado, num fim de tarde no Verão.
A vida era simples naquela altura. 1+1 eram 2, como lhe ensinaram na véspera na escola. E os problemas desapareciam quando via desenhos animados.
Sorria quase sempre, deixando os dentes abertos surgirem pelo meio das bochechas gordas.
- Eu não sou gordo, sou forte!
Seja, era “forte” naquela idade. E talvez fosse. Que força maior do que nada temer? Do que não conhecer a dor, a perda, o sofrimento, a solidão, o medo, e todas essas coisas que sabia serem más, mas que não lhe desarmavam o sorriso.
A imaginação levava-o a todos os lados, mas não naquele momento. Naquele momento deixava-se ficar por ali, num momento de aparição, em que tudo estava calmo, e ele sentia ter tudo o que queria. Nem a consola que tinha pedido lhe fazia falta…
Era aquela a prenda que sempre tinha pedido. E agora que a tinha, sabia que estava ligado a ela invariavelmente.
Mas e quando não estivesse com ela para velar pelos seus sonhos? Quando não lhe pudesse cantar para a adormecer?
Pela primeira vez sentiu agonia. Não daquelas que sentia quando comia muitas gomas. Afinal não era assim tão forte. Ninguém é assim tão forte. E teve medo.
Olhando pela janela, viu no céu a sua mente. O sol estava tapado. Nunca gostou de tardes sem sol. E também nisso nada podia fazer. Sentiu-se pior.
- Eu sou forte! Eu sou forte! Eu sou forte! Eu posso tudo!
E pôde. O sol voltou a brilhar, ele voltou ao quarto para deixar no berço o que levava na mão, e depois foi brincar.
Ninguém notou pela falta. Nunca ninguém repara naquilo que se passa acima. Ninguém gosta de pensar naquilo que não é facilmente alcançável.
Ele descansou, e a partir dessa tarde, a pequenita pode dormir abraçada ao mais mole dos peluches. Mesmo que o caminho o levasse para onde não a pudesse defender, deixava para trás a nuvem que roubou para ela. Para que um dia, quando passar por tudo o que ele passou, e se sentir sozinha, e pensar que nem tudo é tão fácil assim, saiba que “Big Brother” é mais que um programa de televisão.

6 Comments:

Blogger k8tye said...

Fogo, camilo...parece que adivinhas... "- Eu sou forte! Eu sou forte! Eu sou forte! Eu posso tudo!
E pôde. O sol voltou a brilhar...." estava a precisar de me lembrar disso... ;) Gostei mt do texto... e deliciei-me com os sentidos de forte= a nao gordo e forte de acreditar e ter força para lutar pelo que acredita...
E tantas vezes reparo que "Ninguém gosta de pensar naquilo que não é facilmente alcançável"...Hoje procura-se o caminho mais facil...

Bom texto!!****

3:39 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Brilhante!! É so o que posso dizer...

3:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Parece-me que vejo aqui um sentimento de irmao mais velho. E por isso, gostei muito do texto. Tambem eu tenho essa "mania" de me "armar" em forte para que ajudar uma "pequenita". Nao posso evitar que caia, mas procuro atenuar sempre a queda, para que possa sempre dormir agarrada ao "mais mole dos peluches". Bom texto! Fizeste-me comentar a serio.

3:46 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

SEntimento bonito. É disto que nos precisamos lembrar mais vezes... Gostei muito! ****joana

3:48 da tarde  
Blogger zorlac said...

Não era para comentar este teu texto camilo...vivo todos os dias o papel de irmão mais velho e sei o que é estar neste lado...por vezes um trabalho cansativo mas é sempre recompensador quando vejo o sorriso na cara do "meu" puto...
Obrigado por me teres feito lembrar que até o pequeno gesto vale a pena se a recompensa for esta...um sorriso sincero!

8:35 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Muito ternurento! Todos gostamos de ter esse tipo de protecçao. És mesmo "galinha"...n vejo so este texto como uma irma mais nova, pode tambem ser uma filha, ou mesmo a pesssoa de quem se gosta. Quando somos protectores, somos com o que nos é mais querido. Adorei o texto! Parabens beijinhos claudia

1:47 da manhã  

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