remorso do sobrevivente
Fui-me conservando a mim próprio pelo respeito de nunca saber quem era, o que seria, de ignorar o que se estava a passar, o que por mim passava, aquilo a que chamamos tao inconscientemente vida.
Fiquei suspenso nesse espanto, tal e qual como agora, olhando-me, sem conseguir dizer a palavra decisiva que me fizesse subir por uma escada que me levasse mais alto e me fizesse definitivamente ser outro. Sou quem fui, quem serei, o mesmo adulto enquanto criança, a mesma criança enquanto adulto e a aparência fisica é só o disfarce que tem de ser.
Por vezes encontramo-nos todos numa roda e o mais velho tem certamente mais experiência mas é nitidamente menos inteligente e sofre de falhas de memória. De certo modo, que não sei justificar, tenho ainda ficado mais criança e isso doi-me. O desconcerto do mundo faz-me chorar lágrimas porque sei não o ter vindo a perceber melhor, antes o desentenda mais.
Vivo a vida por empréstimos mais curtos, de minutos, e sinto o dever de agradecer constantemente o vive-la. Ninguém sabe. Ninguém acredita. Como o funâmbulo que percorre o arame estendido olhando em frente, não posso olhar o vazio. E o vazio envolve-me. Aliás, nós todos nos encontramos numa igual ignorância que não é disto nem daquilo mas do que está por detrás desta noite e aquém do que quer que seja. E eu sou a tal criança teimosa com perguntas impossiveis. (...) "
Pedro Paixão- Quase gosto da vida que tenho